Legalização da Maconha: A Quem Interessa?
Antes, alguns dados objetivos precisam estar em mente: 75% dos
brasileiros não concordam com a legalização; 11% concordam. O restante
não sabia opinar ou não respondeu à pesquisa Lenad 2012.
Em número de
pessoas, isso significa que 111 milhões de brasileiros não concordam com
a legalização e que 16 milhões concordam.
Como os dados com o perfil
dessas pessoas não foram ainda avaliados, e suas motivações não foram
objeto da pesquisa, vamos aqui levantar algumas hipóteses a respeito de
quem seria essa minoria de brasileiros que concordam com a legalização.
Entre eles existe um grupo, manifesto, que acredita que a legalização
vai regular o consumo, a produção, a distribuição, e com isso haverá
diminuição do tráfico e da violência.
Está subjacente à essa ideia o
alto controle estatal, como aconteceu no Uruguai. O Estado deverá
conseguir fiscalizar a venda de sementes, o número de pés de maconha
plantados, a idade de quem planta, quem usa e a quantidade que usa, quem
comercializa e quem compra.
Quem defende essa posição deve acreditar
que a maconha é uma droga que merece controle, que não deve ser liberada
totalmente. Deve acreditar que pelo menos para alguns a maconha traz
prejuízo, caso contrário não faria sentido tanta regulação do Estado.
Eu faço parte de um grupo que questiona: tendo em vista que a
experiência brasileira na regulação e no controle do mercado de álcool e
cigarro não é boa, por que seria diferente com a maconha?
Regular
tantas etapas do processo, além do comércio ilegal que continuará
existindo, é viável, factível? Tendo em vista a dimensão do Brasil,
nossa história, nossa cultura e nossos hábitos, podemos nos comparar com
Uruguai, Holanda, Portugal, Estados Unidos?
Se o Estado brasileiro não
conseguiu fazer frente às forças do mercado de bebida e de cigarro no
controle de propaganda, distribuição e venda de seus produtos, por que
seria diferente com a maconha?
Por exemplo, não se conseguiu restringir o
consumo de bebida nos estádios durante a Copa. A lei foi rediscutida em
razão do poder econômico.
Ao se formar um mercado de maconha, ele não
vai se organizar, se fortalecer e exercer seu poder sobre o Estado?
Ou,
ao contrário do mercado de bebida e cigarro, ele vai passar a considerar
interesses de saúde pública e dos mais vulneráveis (crianças,
adolescentes, doentes mentais)?
Existe outro grupo que acredita que a liberdade das pessoas deve ser
prioridade. As pessoas todas teriam plena condição para avaliar os
riscos e os benefícios de seu comportamento e para decidir o que é
melhor para si.
Essa é uma questão filosófica interessante. Existe uma
teoria em psicanálise que diz que a cidadania e a convivência coletiva
só foram possíveis quando o homem conseguiu reprimir alguns de seus
impulsos primitivos individuais em prol do interesse da maioria e do bem
comum.
Para o bem-estar do grupo, não sujamos as ruas fazendo nossas
necessidades fisiológicas, embora isso nos custe algum esforço e o
cumprimento de algumas regras que contrariam a satisfação imediata e
pura dos impulsos e desejos primitivos.
Este é o princípio: se algum
desejo individual prejudica o bem-estar do grupo, ele precisa ser
revisto.
Assim, pergunto: o que é melhor para o bem comum, e não para o
indivíduo? A vontade do indivíduo deve se sobrepor à vontade do grupo?
Ainda nesse campo, temos a psicologia comportamental, que se baseia
no argumento de que o ambiente (cultural, social, econômico etc.)
influencia a decisão das pessoas. Ninguém é totalmente livre e
desprovido de interferências externas.
O mercado, a propaganda, o preço,
a atitude do grupo influenciam a decisão das pessoas. Não é só isso. A
dependência turva a liberdade de escolha.
E maconha causa dependência:
37% dos brasileiros que usaram maconha no último ano preenchiam
critérios de dependência (Lenad). Isso não é um questionamento. É um
fato.
Existe ainda o grupo de usuários de maconha. Essas pessoas gostariam
de sair da ilegalidade e não sofrer preconceito e exclusão. E,
naturalmente, uma parte delas gostaria de continuar usando.
Fato: cerca
de 3% da população brasileira usa maconha.
Questão: nesse grupo, imagino
que existam vários subgrupos, como aqueles que usaram eventualmente e
não tiveram problemas e querem continuar usando.
Aqueles que usaram,
tiveram problemas (desenvolveram um quadro psicótico e perderam a
capacidade de ajuizamento crítico) e não conseguem perceber os prejuízos
e, por isso, querem continuar usando.
E aqueles que, embora usem,
gostariam de parar.
Sobre isso, me pergunto: não seria mais fácil e justo proteger os
mais vulneráveis com capacidade de ajuizamento crítico prejudicado?
Não
existe outro modo de tratar os usuários sem preconceito e exclusão que
não seja colocar em risco os outros mais vulneráveis?
De fato, os mais
vulneráveis talvez sejam a minoria. Mas qual é o papel das políticas
públicas se não proteger os mais vulneráveis? Não deveria o Estado
proteger a minoria mais vulnerável?
Evidentemente, existem muitos outros grupos, mas esses são os
maiores. É evidente também que todas essas questões são passíveis de
discussão e que assim seja.
Essa é a intenção deste post. Quero levantar
dúvida e gerar questionamento. Se formos capazes de duvidar, seremos
capazes de responder um dia. O que preocupa é a indisposição para o
debate e decisões que desconsiderem o que pensa a maioria das pessoas.
Mas a dúvida que mais preocupa e incomoda é que deve existir um grupo
que lucraria muito com a legalização da maconha. Não são os 3% de
usuários ou os 11% que concordam com a legalização.
É um grupo muito
menor, que vê em nossa ingenuidade e na possibilidade econômica uma
grande oportunidade. Nesse grupo não há espaço para ingênuos, do que se
conclui que entre os que concordam também há um grupo de ingênuos.
A pergunta que cabe neste caso é o que fazer para não ficar nesse
grupo e inadvertidamente lutar pelos interesses de tão pouca gente?
Questionar e duvidar pode ser o primeiro passo. Saber em qual grupo
nos incluímos, o segundo. E, por fim, tentar responder:
A quem de fato
interessa que a maconha seja legalizada? Interessa a você, leitor? Por
qual motivo?
Por Dr Cláudio Jerônimo da Silva - Psiquiatra e Diretor Técnico do UNAD.
Gil Corrêa
Diretor, Escritor e Pesquisador
Ministério Adonai
O Portal do Saber
08/2014